Coroa de flores
Desculpe por não saber o que falar.
Primeiro foi a vez em que eu fiquei destruída.
Todos nós ficamos em volta da mesa esperando o telefone tocar.
— Acabou. — minha mãe disse.
E eu não me lembro de ver ela devolvendo o telefone pro centro da mesa. Ou que roupas estávamos vestindo. Ou como é que nós estávamos em pé.
Mas eu me lembro da minha vó.
Eu me lembro de não entender o que eu estava ouvindo. Não parecia um grito e também não parecia humano. Era algo animalesco, selvagem. Como se eu estivesse ouvindo algo proibido. Um som que só existe porque a ordem natural da vida foi perturbada.
E isso que acontece com mães que enterram seus filhos, nem os deuses conseguem olhar de frente, sustentar.
Tenho a impressão de que toda a natureza silenciou-se em respeito à sua dor.
Eu nunca soube o que dizer a ela.
Depois foi a vez em que eu fiquei aliviada.
O aviso também veio da minha mãe, mas foi diferente da primeira tristeza. Quem eu não iria mais ver foi alguém que tomou demais — cruelmente — de alguém que amo, enquanto ele era jovem demais para entender o que lhe estava sendo tomado.
Chorei de mãos dadas com meu pai esse dia, mas não soube o que dizer a ele.
E por último foi a vez em que eu me senti impotente.
Eu já sabia, de alguma forma, quando minha mãe ligou e achei que, sabendo, conseguiria falar alguma coisa, mas, quando ela começou a chorar no banco da frente, tudo que eu pude fazer foi repousar a mão delicadamente no seu pequeno ombro.
— Desculpe por não saber o que falar. — minha voz saiu num sussurro.
E até aquele momento, eu não percebi que havia começado a chorar também.
E isso que acontece com filhos que enterram seus pais, nem os deuses são capazes de amenizar.
Se eu fechar os olhos por tempo suficiente, consigo ouvir o atendente da funerária perguntando se eles deveriam seguir com a frase tradicional ou se queríamos colocar algo específico. Eu, que sempre tenho algo a escrever, não fui capaz de juntar cinco palavras para pôr no epitáfio do meu avô.
O luto tem seu jeito de embutir humildade em quem se atreve a tentar decifrá-lo, posto que entra como sentimento e, então, se instala no fundo do âmago. Transforma-se em hóspede, cria raiz e, portanto, se torna irrefutável.
É preciso acessar as entranhas, seguir o emaranhado de dentro pra fora, até a ponta da língua amargada. O corpo vira hospedeiro. Na palma, a chaga de quem carregou a alça do caixão.
A morte fica marcada na pele de quem enterra.

